segunda-feira, 27 de setembro de 2010

FICHA LIMPA - quem vai decidir *

*Por Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues
Professor Titular de Teoria do Processo na UFSC


Confesso que foi frustrante ficar sentado na frente da televisão por horas e horas para ao final ver o STF decidir não decidir. De outro lado foi interessante, embora cansativo, acompanhar os argumentos apresentados por cada ministro da defesa de suas posições.
Quando iniciou o julgamento eu tinha uma posição clara sobre a imediata aplicação da Lei já nestas eleições no que se refere às novas situações de inelegibilidade.
Da mesma forma entendia que o princípio da anualidade só se aplica às regras do processo eleitoral, iniciado com as convenções partidárias (o que, em tese, exclui a situação em discussão, pois as situações de inelegibilidade não constituem elemento do processo eleitoral, mas sim condição para a participação nesse processo).
Continuo pensando dessa forma quanto à segunda posição - princípio da anualidade -, mas agora me encontro em dúvida sobre a aplicação imediata da Lei com base em situações do passado - e isso não está relacionado ao princípio da anualidade.
É possível, através de nova lei, atingir o ato jurídico perfeito?  - Esclareço que essa foi posição muito utilizada nos argumentos apresentado por ministros do STF; a mim parece ser mais adequado falar em direito adquirido.
Ao renunciarem com base na lei da época, estavam os políticos livres para concorrem nas eleições posteriores - o direito foi adquirido no ato da renúncia, com base na lei da época.
É possível agora editar uma lei impedindo-lhes de exercer direito já adquirido? E mais, aplicando-lhes sanção não existente à época? Sim, porque embora não seja matéria penal a inelegibilidade é sanção... não existem apenas sanções penais!
Será que, mesmo frente ao reconhecimento de que a nova Lei busca moralizar e eticizar a política, decidir aplicá-la retroativamente não se configura desrespeito a direitos fundamentais? Embora sua aplicação possa representar, a curto prazo, uma vitória ética, não será a médio e longo prazo um risco para a democracia, na medida em que isso significaria autorizar o STF a desconhecer garantias fundamentais históricas?
Reconheço que não tenho respostas e nem certezas... apenas apreensões.
Embora não tenha nenhuma simpatia pelo ministro Gilmar Mendes, é de reconhecer que muitas de suas ponderações tem muita pertinência.
Ao lado disso, a situação trazida pelo ministro Marco Aurélio, relativa ao deputado Jader Barbalho é emblemática: após a sua renúncia ele já disputou duas eleições, se elegeu e foi diplomado e atualmente é Deputado Federal. Com a Lei da Ficha Limpa ele se torna agora inelegível.
Como juridicamente e logicamente se pode justificar, sem reconhecer a retroatividade que atinge o direito adquirido e o caráter de sanção da nova norma, que após o fato da renúncia ele possa ter disputado duas eleições e tenha sido diplomado e que agora, passados 7 anos do fato, sem que tenha havido qualquer julgamento ou condenação, passe ele a ser inelegível?
O que, reconhecida a imediata aplicação da lei inclusive aos fatos passados, se fará com o mandato em andamento? E com aquele já cumprido?
Estou com um "nó jurídico" em minha cabeça e não sei exatamente como desatá-lo.

Mas há ainda uma situação pior em tudo isso: a ausência de decisão de decidir por parte do STF.
O que se viu desde a tarde de ontem e entrou pela madrugada foi uma guerra de egos. E agora ninguém voltará atrás para que se possa ter uma decisão diferente do empate... isso seria uma derrota pessoal para qualquer dos ministros... embora talvez seja a única possibilidade de vitória da democracia e do próprio Estado Democrático de Direito.
O Presidente do STF se recusa a dar o voto de desempate, que seria a repetição de seu voto pela irretroatividade da Lei. Essa - tendo sido reconhecida pelo Tribunal a constitucionalidade da Lei - é a questão a ser resolvida, não a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade (nessa matéria a maioria opinou pela constitucionalidade). E nessa situação teria o ministro Peluso de decidir.
A outra possibilidade é manter a decisão do TSE, tendo em vista que a situação de embate significa, na prática, que o STF não acatou o recurso. Para acatá-lo e modificar a decisão teria de ser por maioria. Mas aqui cairíamos novamente no mesmo impasse: 5 x 5. Apoiar essa decisão seria na prática votar pela imediata aplicação da lei inclusive aos casos de renúncia e condenação pretéritos. Os 5 ministros que não concordam com essa interpretação votariam contra considerar o empate como manutenção da decisão do TSE. E voltaríamos à situação do ministro Peluso ter de desempatar...
Há ainda a opção de suspender o julgamento e aguardar a nomeação do 11 ministro. Tecnicamente parece ser a melhor posição. Mas politicamente é um desastre! Quem vai decidir o julgamento é o Presidente da República. Ou alguém tem dúvidas de que o voto a ser dado nessa matéria, aceita essa solução como a adequada, será objeto de negociação para a indicação à vaga aberta pela aposentadoria do ministro Eros Grau?
Na prática, suspender o julgamento até a nomeação do novo ministro é o mesmo dizer que o Presidente da República é quem desempatará o julgamento!
Será essa a melhor solução? Vamos transferir para o Executivo uma decisão que cabe exclusivamente, segundo a Constituição, ao STF?
Formalmente não é o que será feito; mas na prática é o que ocorrerá.
Leia mais: http://www.aprenderdireito8.blogspot.com/

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